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A nova casa do vinho mais velho do mundo

por Filipe Silva em

542 anos em tonel, valem ao branco seco guardado na cave dos Hospitais da Universidade de Estrasburgo (Cave des Hospices de Strasbourg) o título de vinho mais velho do planeta! Mas, em Abril do ano passado, descobriu-se que o tonel onde o néctar repousava desde 1718 já perdia vinho a uma velocidade significativa. Para além das perdas naturais (evaporação de cerca de 3 litros/ano), uma ameaça terminal : “dos 3 mil litros originais deste Cru extraordinário, restam atualmente 300 litros”, explica Thibault Baldinger. O responsável pela histórica cave, fez soar o alarme nos bastidores do vinho.

A Cave dos Hospícios de Estrasburgo é uma histórica instituição de caridade, criada para abastecer os hospitais que, a partir da revolução francesa, passaram a designar-se “Hôpitaux Universitaires de Strasbourg”. O vinho há muito deixou de ser servido aos doentes, mas os produtores alsacianos mantêm a tradição, produzindo ali 150 mil garrafas/ano para fins de beneficência. Assim, o apelo de Thibault Baldinger teve resposta pronta: dois mestres tanoeiros da Radoux, Xavier Gouraud e  Jean-Marie Blanchard, ofereceram-se para fazer um novo tonel.

Uma réplica exata, mantendo a forma oval, com 1,17 metros de comprimento por 97 centímetros de altura, num tempo recorde para escolher as madeiras, passá-la diversas vezes por água, para neutralizar os taninos e o aroma, secar, alinhar e moldar as ripas (tarefa mais complicada que o habitual tratando-se de um tonel de 450 litros, o dobro das barricas vulgares) e claro, dar-lhe a tosta mais suave e lenta possível… tudo em apenas 4 meses e à custa de 200 horas de trabalho dos 2 mestres tanoeiros! Concluída a obra, procedeu-se agora à trasfega para a nova morada, com a pompa e cuidados que se podem imaginar. A operação durou meia hora e o ancião, todos acreditam, poderá repousar descansado mais uns séculos.

Wine world by Winept Tonel

“Enológicamente falando ainda é vinho. Com os riscos associados…” reconhece aquele responsável pela Cave dos Hospícios de Estrasburgo. A última análise feita ao néctar indicava um potencial de hidrogénio (pH) de 2,21, ou seja, de um vinho muito, muito ácido. Mas, respeite-se a idade e longe de nós referências à acidez de soluções vinagrosas…

O que já nos custa crer é que ninguém tenha aproveitado a trasfega para provar um vinho que só foi provado 3 vezes desde que existe: uma vez em 1576 para celebrar uma aliança entre Estrasburgo e Zurique; a segunda em 1718 na colocação da 1ª pedra de um hospital da cidade e a última vez em 1944, quando o general Philippe Leclerc libertou Estrasburgo dos ocupantes nazis. Para quem assistiu a muita trasfega, é difícil acreditar que, na ocasião, ninguém aproveitasse para provar um vinho do ano em que o nosso Fernando Pó ainda andava pelo golfo da Guiné. Mas, se alguém levou o copo à boca, certo é que ainda não a abriu para contar.

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