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América alarmada com arsénio no vinho

por Filipe Silva em

Ponto prévio, para não incorrer no alarmismo mediático americano: à semelhança da maior parte das plantas, a videira absorve uma quantidade relativamente elevada de minerais, incluindo elementos tóxicos. Mas, sem manifestação de toxicidade. Um elemento químico como o arsénio, a exemplo de metais pesados (cádmio, chumbo, crómio, mercúrio, níquel, etc) são processados e integrados pela planta em moléculas biológicas.

Dito isto, após 15 anos no negócio da distribuição, o americano Kevin Hicks estabeleceu um laboratório de análises de vinho, o BeverageGrades. Fosse por interesse genuíno ou em busca de publicidade fácil, certo é que não tardou a remeter à imprensa a sua “descoberta”. Testou 1300 garrafas de vinho e, segundo ele, cerca de um quarto continham níveis de arsénio mais elevados que o permitido para a água potável. Nos Estados Unidos, a autoridade reguladora estabelece um limite legal de arsénio na água idêntico ao que vigora em Portugal: 10 microgramas (milionésima parte da grama) por litro.

Pior ainda, segundo ele, 83 garrafas continham “níveis muito, muito elevados de arsénio”. Mais, o laboratório sediado em Denver, no estado do Colorado, notava um padrão nos vinhos. Quanto mais baratos, à medida que desciam no preço, mais elevado o teor de veneno.

Vai daí, a semana passada, Hicks interpôs uma queixa em tribunal contra 28 adegas californianas, alegando que o consumo de 2 ou 3 copos por dia de alguns vinhos mais baratos – até 10 dólares a garrafa – a prazo, pode ser tóxico. Entre os acusados figuram “best-sellers” do vinho nos “States”, como a Beringer ou a Sutter Home (marca bandeira da Trinchero Family Estates). À imprensa, o queixoso garantiu ainda que outros 2 laboratórios corroboravam os resultados das análises.

Em causa estão as tais 83 garrafas, pois, ao que parece, o arsénio aí detetado não seria de origem orgânica. Ou seja, não seria ocorrência natural, como acontece no ar, nos solos e na água, em quantidades diminutas. Em doses elevadas, como se sabe, é um veneno letal. Como acontece com metais pesados, por exemplo o ferro, o arsénio consumido em excesso e ao longo do tempo, pode provocar cancro, problemas cardíacos e respiratórios.


Com este pano de fundo, percebe-se a repercussão da queixa nos media norte-americanos. A matéria foi destaque na CBS, com garrafas e adegas apontadas a dedo, durante os telejornais. Alarme agravado pelo vazio legal, nos Estados Unidos, quanto aos níveis de arsénio permitidos no vinho. Sejam eles caros ou baratos. De facto, a legislação americana é omissa sobre a matéria e é a própria indústria a reclamar legislação adequada. Em resposta à queixa, um porta-voz das adegas acusadas explica: “não é responsável nem aceitável utilizar como medida para o vinho o limite estabelecido para a água. As pessoas bebem muito mais água do que vinho”.

A associação comercial que representa a indústria vinícola californiana, o “Wine Institue” vai mais longe e denuncia uma distorção com propósitos obscuros, por trás de tudo isto. O nível de arsénio mais elevado citado na queixa judicial, não excede metade do limite estabelecido para o vinho no vizinho Canadá! A exemplo da União Europeia, no Canadá vigora um limite extremamente baixo, 100 microgramas por litro, por forma a garantir uma enorme margem de segurança em termos de saúde pública.

Para se ter uma ideia, no plano internacional, o limite estabelecido no âmbito da OIV (Organização da Vinha e do Vinho) é de 0,2 mg/L (0,2 miligramas, ou seja, 200 microgramas) e o teor considerado perigoso para o homem é em concentração superior a 1 mg/L (1000 microgramas!). Aliás, normalmente, o teor deste não metal nos vinhos não ultrapassa 0,02 mg/L, correspondente a 20 microgramas... Presença predominante nas formas orgânicas do elemento (em resultado da sua biometilação pelas leveduras, durante a fermentação), sendo as formas inorgânicas, como o leitor já terá percebido, as que associamos a doenças e intoxicações. Na prática, a sua presença nos vinhos em teores elevados estará quase sempre relacionada com o tipo de herbicidas e fungicidas utilizados na vinha.

“Estamos preocupados com a irresponsabilidade de tudo isto, pois a informação publicitada pelo queixoso é suscetível de assustar o público, levando-o a pensar que não é seguro beber vinho, o que é manifestamente mentira”, declaram os representantes da indústria. Aliás, estes ameaçam retaliar, considerando que as análises em causa demonstram precisamente o contrário do que alega a acusação.

O fato da queixa referenciar 80 garrafas numa amostra de 1300 vinhos e mesmo essas muito aquém dos limites estabelecidos por diversos países, europeus incluídos, segundo o “Wine Institute” só vem comprovar o nível do vinho californiano. “Interpor uma ação em tribunal baseado em informação distorcida e seletiva difamando as adegas, cria receios desnecessários, manipula e engana o público para obter vantagens próprias”, conclui o comunicado daquela associação comercial.

Rótulos identificados na queixa, desconhecendo-se o nível de arsénio alegado para cada um deles.

Acronym, Gr8Rw Red Blend

Almaden, Heritage White Zinfandel, Heritage Moscato, Heritage Chardonnay, Mountain Burgundy, Mountain Rhine & Mountain Chablis

Arrow Creek: Coastal Cabernet Sauvignon

Bandit: Pinot Grigio, Chardonnay & Cabernet Sauvignon

Bay Bridge: Chardonnay

Beringer: White Merlot, White Zinfandel, Red Moscato & Refreshingly Sweet Moscato

Charles Shaw: White Zinfandel

Colores Del Sol: Malbec

Glen Ellen by Concannon: Glen Ellen Reserve Pinot Grigio & Glen Ellen Reserve Merlot

Concannon: Selected Vineyards Pinot Noir

Cook's: Spumante

Corbett Canyon: Pinot Grigio & Cabernet Sauvignon

Cupcake: Malbec

Fetzer: Moscato & Pinot Grigio

Fisheye: Pinot Grigio

FlipFlop: Pinot Grigio, Moscato & Cabernet Sauvignon

Foxhorn: White Zinfandel

Franzia: Vintner Select White Grenache, Vintner Select White Zinfandel, Vintner Select White Merlot & Vintner Select Burgundy

Hawkstone: Cabernet Sauvignon

Hrm Rex Goliath: Moscato

Korbel: Sweet Rose Sparkling Wine & Extra Dry Sparkling Wine

Menage a Trois:  Pinot Grigio, Moscato, White Blend, Chardonnay, Rose, Cabernet Sauvignon & California Red Wine

Mogen David: Concord & Blackberry Wine

Oak Leaf: White Zinfandel

Pomelo: Sauvignon Blanc

R Collection by Raymond: Chardonnay

Richards Wild Irish Rose: Red Wine

Seaglass: Sauvignon Blanc

Simply Naked: Moscato

Smoking Loon: Viognier

Sutter Home: Sauvignon Blanc, Gewurztraminer, Pink Moscato, Pinot Grigio, Chenin Blanc, Sweet Red, Riesling, White Merlot, Merlot, White Zinfandel & Zinfandel

Trapiche: Malbec

Tribuno: Sweet Vermouth

Vendange: Merlot & White Zinfandel

Wine Cube: Moscato, Pink Moscato, Pinot Grigio, Chardonnay, Red Sangria, Sauvignon Blanc & Cabernet Sauvignon/Shiraz

 

Fonte : CBS

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