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Famílias do vinho

por Filipe Silva em

Alguns historiadores atribuem (apenas) ao Marquês de Pombal o papel pioneiro na criação da mais antiga região demarcada do mundo – a região do Alto Douro. Mas na verdade, esta demarcação foi muito mais que uma decisão de um “político iluminado” e sim o resultado de um desenvolvimento económico e social, a Norte de Portugal, o qual se ficou sobretudo a dever à dinâmica de estruturas familiares, muitas das quais se constituíram nas elites do país.

Essas mesmas elites, que se consolidaram sobretudo com o desenvolvimento comercial, após a segunda metade do sec. XIX – depois das invasões francesas e da independência do Brasil.

Há hoje em dia quem diga que um dos problemas de Portugal tem a ver com a qualidade das suas elites. Isso até poderá ser verdade: é algo que se tornou notável na transição do sec. XIX para o sec. XX e em concreto na passagem do regímen monárquico para o republicano (como o próprio Rei D. Carlos o reconhecia).

Contudo, se do ponto de vista do desenvolvimento industrial de Portugal as elites nacionais não têm dado um grande contributo (salvo a excepção do grupo CUF e alguns focos a Norte), a verdade é que no sector do vinho, sem elites, a história não teria sido tão bem sucedida. É que essas elites têm conseguido transmitir ao longo dos tempos, valores essenciais, que são pilares sociais e económicos.

A título de exemplo, mencionamos algumas famílias que, no sector do vinho, souberam ir além da sua dimensão e modernizar o sector a ponto de se constituir em Portugal uma indústria com peso internacional. A Sul, Soares Franco (JMF) e Avillez (João Pires/Bacalhôa); a Norte, as famílias Guedes (Sogrape e Aveleda), para além do “clube” dos ingleses (Symintgnon, Taylors, entre outros) e … outras nacionalidades.

Estas estruturas familiares, nestes casos, têm sido um exemplo de como é possível conciliar a gestão profissional e os desafios consecutivamente ganhos na modernização, competitividade e sucessão. E é por isso (pela sua capacidade de adaptação) que estas empresas crescem e continuam, de geração em geração.

A verdade é que para se sobreviver e crescer (nesta indústria) tem que se competir num palco mundial e cultivar-se um ambiente empresarial que seja aberto e cosmopolita, muito para além das “pequenas” idiossincrasias do nosso país.

O vínculo da indústria do vinho à cultura tradicional, à vida no campo e ao Portugal profundo (onde ainda hoje em dia um dos principais meios de subsistência é a agricultura), sendo um contraponto a esse cosmopolitismo, ajuda por outro lado a consolidar a dimensão do sector, dando-lhe peso económico e político.

E assim, enquanto o vinho se democratizou, as elites do sector adaptaram-se, sem criarem obstáculos aos novos operadores, que entretanto surgiram e reforçaram a dimensão internacional de Portugal. O que tem sido verdadeiramente importante.

Em muitos desses grupos familiares já entrou em campo uma nova geração, a qual (saliente-se) está melhor preparada do que a anterior. Mas há muitos desafios pela frente, num ambiente hoje em dia global e extremamente competitivo.

É importante que o sector e os seus mais importantes operadores não se fechem sobre si mesmos e que saibam fazer a tempo as mudanças que se impõem num sector que peca… ou pelo excesso de regulamentação… ou pela “lei da selva”. Para dar apenas dois exemplos; o controlo do vinho que chega de Espanha e que não é vendido como tal (é vendido como português…) e a disparidade nas políticas de controlo, entre IVV/ ASAE e as diferentes comissões vitivinícolas.

Mas existem outras áreas que carecem de mudança, entre as quais, a forma como é pensado, implementado e comunicado o nosso posicionamento de marca a nível internacional.

Nestes e noutros aspectos (enfim, não só no vinho…) faz muita falta em Portugal um reformador como o Marquês de Pombal. Alguém que saiba contrariar as formas mais perniciosas com que alguns lobbies procuram manter um status quo, o qual parece ser bom a curto prazo,mas a longo termo poderá ter custos pesados para todos.

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