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Harmonizações Sonoras

por Filipe Saavedra em

O prometido, é devido! No último texto que preparei, abri o caminho para este que agora vos trago, sobre harmonizações sonoras… Todas as harmonizações, sejam elas “momentâneas”, “sonoras” ou as “clássicas” de faca e garfo, podem ter regras mais ou menos estabelecidas. No entanto, algo que é comum a todas, mas todas, as harmonizações, sem excepção é que são pessoais, quase que intransmissíveis. Porque é o nosso gosto, o nosso momento, a nossa música e o nosso prato que nos faz sentido com cada tipo de vinho.


Voltando ao som… Para mim o capítulo sobre as harmonizações sonoras foi aberto por intermédio de um livro fantástico – “Postmodern Winemaking – Rethinking the Modern Science of an Ancient Craft” por Clark Smith. Este livro sendo eminentemente técnico, tem vários capítulos menos tecnológicos. O vigésimo quinto capítulo entitulado de “Liquid Music – Resonance in Wine”, fez com que eu passasse a provar vinhos também com os ouvidos.


A prova de vinhos é sensorial, costumamos prestar mais atenção, sem surpresa, ao aspecto visual, aos aromas, sabores e sensações gustativas. No entanto o vinho tem som: O “pop” da rolha da garrafa de espumante ao saltar; o crepitar do espumante no copo; o gorgolejar do copo de vinho ao ser cheio; e por aí podia seguir. Mas há uma sintonia, que o Clark Smith chama de ressonância entre vinho e música, que é inequívoca. Tem, na minha humilde opinião, muitos pontos em comum com as harmonizações momentâneas sobre as quais escrevi antes.


Vinho de festa pede música de festa! Vinhos joviais descontraídos, resultam melhor com uma música alegre, “chill out” talvez. Vinho de conversa pede uma música mais suave, mais tranquila, um jazz quiçá. Vinhos de contemplação pedem artista musicais de igual garbo. Uma vez mais, a roda está inventada. Ouvir algo tão fantástico e complexo como um dos Nocturnos de Chopin com um vinho ligeiro, fragrante e simples é dissonante. Acreditem, experimentem. Mas o mesmo vinho, num baile popular de Verão é a melhor parelha.


Já experimentei múltiplas vezes este exercício, mas de uma da qual guardo mais grata memória, foi em 2014, na Feira do Dão em Nelas. Chamou-se “Conversa de 3”, um chef (Diogo Rocha), um DJ (Gryzzler) e um enólogo (eu), juntámos as nossas artes em harmonias de maior e menor sucesso. Recordo o espumante bruto de pouco tempo de cave, com a música da Companhia Algazarra, fácil, feliz, efervescentes ambos – vinho e música. O passo seguinte foi um Encruzado com algumas notas de madeira mas bastante jovialidade e um Jazz tranquilo. O passo final, foi com um vinho branco, mais matizado, mais antigo, com maior volume de boca e maior comprimento com um fado da Mariza. Parecia que as guitarras e a voz profunda e ampla da fadista se fundiam com o vinho.


Haverá mais produtores de vinho a prestar atenção a este detalhe, no entanto, destaco nestas próximas linhas um em particular – Carlos Raposo. O Carlos tem o cuidado de indicar na ficha técnica dos seus vinhos, qual a música e artista que melhor harmoniza com os seus vinhos. Um detalhe fantástico, que corrobora esta teoria que vos explano neste texto.


Apesar de ter tido formação musical, sou de momento um bom ouvinte mas não praticante. Haverá entre tantos enófilos quem tenha muito mais crédito musical que eu. Mas todos, sem excepção, somos capazes de experimentar. Assim desafio-vos a isso, vejam se os sons musicais e os vinhos encaixam. Descubram os que são “ressonantes” e os que são “dissonantes”. No entanto, nunca esquecer a regra acima referida - a melhor harmonização é pessoal!

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