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Que vinho bebia o Pai Natal?

por Filipe Silva em

No caso, todo o cenário associado, da neve ao trenó puxado por renas, a figura remonta às lendas nórdicas e a Odin, rei do Asgard e mais poderosa divindade da mitologia escandinava.

Odin possuía como companheiros inseparáveis dois corvos - Hugin e Munin - que representavam respetivamente o Pensamento e a Memória. Segundo a mitologia nórdica, voavam através do mundo para levarem a Odin notícias dos atos humanos. Uma vez informado pelos corvos, Odin partia então no seu trenó, puxado por renas, com presentes para recompensar boas ações praticadas durante o ano. Na verdade, este é o mito na origem da crença no "Pai Natal", séculos mais tarde adaptado pela Igreja Católica. Uma tradição pagã de origem nórdica, sem quaisquer raízes bíblicas. Um enxerto na nossa cultura, por assim dizer, “cristianizado” com a substituição do deus nórdico por um corpulento bispo, que também distribuía presentes - São Nicolau.

O assim chamado Nikolaos de Myra, foi bispo desta cidade grega, no séc. IV. Na realidade, no ano 325 D.C., foi um dos bispos a responder ao apelo do imperador Constantino, apresentando-se no 1º Concílio de Nicaea, em defesa dos cristãos ortodoxos. Nascido no seio de uma família grega, do porto mediterrânico de Patara, na Ásia Menor, Nikolaos era o filho único de um abastado cristão, Epiphanius, tendo sido educado pelo tio – também chamado Nikolaos e bispo de Patara. Tornar-se-ia bispo de Myra, cidade onde viveu e, à época, diocese Romana da Ásia (atual Demre, na província turca de Antalya, nas margens do Mediterrâneo).

Nessa terra de solo fértil e clima ameno, onde o vinho é cultura milenar (sobretudo os brancos oriundos das montanhas de Taurus), foi crescendo a fama de Nikolaos. Embora hoje, após séculos de predomínio islâmico, custe a crer, as videiras que crescem na Turquia estão entre as mais antigas do planeta. A fazer fé na herança helénica, vigente na época, tudo indica que néctares da Grécia e da Anatólia fossem presença quotidiana e devidamente apreciada, na casa de Nikolaos. Herança “dionisíaca” que se foi diluindo na cultura Otomana, a ponto de grande parte da produção local se poder qualificar hoje de imbebível, para os nossos padrões. Panorama que só na última década pareceu alterar-se, com o investimento em algumas adegas que nos permitem saborear, aqui e ali, um pouco de tão ilustre passado.

Há hoje centena e meia de produtores registados na Turquia, 50 dos quais poderíamos considerar como satisfazendo padrões mínimos de qualidade. As 4 maiores adegas turcas (Kavaklidere, Kayra, Sevilen e Doluca) produzem cerca de 8 milhões de litros cada e ensaiam os primeiros passos em busca de reconhecimento externo. Tal qual o protagonista desta história…

Entre os muitos milagres atribuídos ao bispo de Myra, conta-se o do pobre homem sem dote para casar três filhas, que estariam assim condenadas à escravidão. Sabedor do destino das meninas e demasiado modesto para ajudar a família em público, Nikolaos ter-se-á dirigido, a coberto da noite, à casa onde moravam, atirando três bolsas cheias de moedas de ouro (uma para cada menina) para dentro da casa.

Como outros santos, a lenda evoluiu, em redor do homem que presenteava os pobres em segredo e cujos restos mortais seriam mais tarde (1087) trasladados para Bari, Itália; por essa razão, também conhecido por Santo Nicolau de Bari. Modelo do atual “Santa Claus”, designação derivada do termo holandês Sinterklaas, ele próprio uma evolução germânica do original grego Santo Nikolaos. Comemorado, nos nossos dias, por cristãos de todos os quadrantes, Católicos, Anglicanos, Ortodoxos e Luteranos, no dia em que cada uma dessas comunidades assinala a sua morte (6 de Dezembro no Ocidente, 19 Dezembro para os cristãos Ortodoxos).

Como se vê, nada mas nada a ver com o gorducho de barbas brancas e fato vermelho que um caricaturista do séc. XIX (Thomas Nast) desenhou para a edição de Natal de uma revista e o publicitário Haddon Sundblom aproveitou, nos anos 30, para uma campanha da Coca-Cola Company. Essa é uma história de padronização e consumo, à grande e à americana, que nada tem a ver com o vinho.

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