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Vindimas
São dias longos de azafama intensa, labores infindáveis, mas, chegado o final do Verão, é altura de recolher os cachos que as videiras criaram e os viticultores ajudaram a vingar. Trata-se da época alta de todos os profissionais do vinho, a vindima é o pico de trabalho mais saboroso do ano e, assim, também o momento mais esperado.
Há uns anos, uma rábula de uns comediantes famosos (Gato Fedorento) focava o facto que todas as colheitas de outras frutas, serem designadas de colheitas dessas mesmas frutas… já a colheita da uva é a Vindima! Pois é e com todo o direito. Ainda bem que tem nome próprio, pois é distinta. Nas linhas abaixo, vou abordar a vindima de duas perspectivas, a vindima técnica e a vindima cultural.
Vindima Técnica
Parte menos romântica, mas de foco absoluto. Temos de saber que vinho vamos construir com determinadas castas, exposições, altitude, para saber para onde temos de seguir...
A Vinha
Tomada a decisão sobre o destino a tomar – leia-se – vinho a fazer, há que por os pés a caminho da vinha, com botas confortáveis e as mãos a depenicar bagos. Um dos primeiros labores da vindima é o acompanhamento da maturação das uvas. Cada casta, localização, são casos que necessitam de ser analisados de perto e em particular. Com a evolução da maturação dos constituintes da uva (concentração de açúcares e ácidos), a prova dos bagos, das películas e das grainhas, se decidirá o momento de corte das uvas – a vindima!
Há castas, climas e estilos de vinho que propiciam vindimas mais precoces. Climas mais quentes que aceleram a maturação, como é o caso do Sul do Alentejo; ou castas mais temporãs face às restantes, como é o caso da Bastardo ou da Jaen; Ou vinhos de menor graduação alcoólica onde a componente ácida é mais necessária, como é o caso dos vinhos base de espumantes (método tradicional).
Do lado oposto, há castas, localizações e estilos de vinho que resultam em vindimas mais tardias: localizações de um clima mais frio e em altitude, como é o caso da Beira Interior; castas de maturação mais lenta como a Touriga Nacional e a Moreto; vinhos de colheita tardia, onde se privilegia a concentração natural da uva na videira, vindimando mais tarde.
A Adega
Chegada à entrada da adega a uva sã, briosa e colhida no momento oportuno, é tarefa da equipa de enologia potenciar toda aquela matéria-prima transformando-a em bons vinhos. Todas as decisões que se tomam da porta da adega para dentro, visam a produção do vinho que já havíamos definido anteriormente. Assim, cabe à equipa de enologia agir em conformidade e consoante o vinho pretendido e ir ajustando decisões em vários momentos:
- Antes da fermentação alcoólica: desengaçar ou não, extrair a frio com maceração pré-fermentação ou não e prensar directamente;
- Durante a fermentação alcoólica: o foco principal do trabalho que visa a transformação da glucose/frutose em etanol, dióxido de carbono e energia… Mas, vamos só focar na transformação do açúcar natural da uva em álcool. A temperatura deste processo, a vasilha (inox, madeira, barro, cimento), as leveduras utilizadas ou a duração e a forma como é conduzida gera néctares diferentes.
- A fase pós-fermentação alcoólica: a forma de conservação, a duração dessa conservação (com ou sem madeira, com ou sem barro ou numa vasilha inerte) e a fermentação maloláctica (bioconversão do ácido málico (mais forte) em láctico (mais suave)), são factores de ponderação para seguir a construção dos vinhos.
Durante este processo dinâmico, os trabalhos vão-se ajustando na construção dos vinhos. Todos já ouvimos o ditado popular “Até ao lavar dos cestos é vindima”. Permitam-me uma adaptação do ponto de vista técnico: “até à conclusão das fermentações malolácticas é vindima”. Há vinhos onde, genericamente, as fermentações malolácticas não existem – maior parte dos vinhos brancos e rosés, onde se procura a crocância da acidez. Há outros vinhos onde é crucial, para a estabilidade microbiológica, no caso dos tintos. Assim quando os tintos concluem a fermentação maloláctica, os enólogos, já podem voltar dormir descansados.
Vindima Cultural
Tenho uma visão romantizada sobre o período da vindima, dado que tenho memórias antigas desta altura do ano, nas diversas vindimas de família em que participei. Mas, creio que todos teremos um parente mais próximo ou afastado, que algures cultiva ou cultivou umas videiras das quais ou fazia vinho ou vendia as uvas. Assim, creio que existe dentro de todos uma proximidade emocional a este período do ano. Recordo uma obra que li de um escritor que admiro imenso, “A Vindima” de Miguel Torga, no qual há uma caracterização de uma região nos seus hábitos e tradições que, apesar de antigos, se mantêm. As rogas (grupos de vindimadores), as canções, a adiafa (festa do fim da vindima), a oferta do ramo ao patrão, também este momento agrícola, de calendário variado, tem uma fortíssima expressão no nosso ser enquanto Povo.
A vindima é só uma, mas tem estas duas vertentes, a técnica e a cultural, que no final acabam por não se desligar. A vindima é feita de pessoas e uvas! Une as gentes, muda rotinas, tem tradições e inovações. Traz os produtores e enólogos, de humores variáveis em função da feição que o clima manda. (Este 2021, traz muitos de nós com os nervos à flor da pele, dada a abundância de chuva - inoportuna, segundo a visão de um enólogo). É, sem dúvida, a melhor altura do ano, para quem trabalha com videiras e vinhos, é o período de criação. Necessita atenção, dedicação, para que nasçam a rigor os vinhos que se querem beber mais tarde.