Mostrar sidebar

Viticultura e alterações climáticas. Parte 2 – Sustentabilidade: o novo normal?

por Filipe Silva em

[Este é um artigo de duas partes. Caso não tenha lido a primeira recomendamos que o faça clicando aqui]

Devido aos efeitos das alterações climáticas, muito se discute qual é de facto o método mais amigo do ambiente – convencional, orgânico ou biodinâmico – não existindo um consenso sobre o tema. No entanto, há algo que é inegável: a existência de uma pressão mundial para tornar a produção de vinho mais sustentável, como aponta Laurent Brault da Vignerons Indépendants:

“Organizações ecológicas como a Greenpeace e France Nature Environment conseguiram transmitir com sucesso a mensagem de que, a não ser que ajamos hoje, teremos que arcar com as consequências de um ambiente degradado amanhã.”

E os resultados desta consciencialização e pressão também já se fazem sentir na produção vitícola. Por exemplo: recentemente o governo francês introduziu um ambicioso limite de certificado ambiental – Haute Valeur Environnementale – que pretende, até 2025, obter uma redução de 50% no uso de químicos e, por outro, que 50% dos vinicultores tenham este certificado.

Mas não é só em França que isto está acontecer, um pouco por todo o mundo vemos esta maior preocupação de adoptar uma produção mais sustentável.

Richard Leask, australiano que recebeu recentemente uma bolsa de estudos da Nuffield, onde está a fazer pesquisa sobre a produção de vinho regenerativa, diz que os sinais de mudança são visíveis:

“Cada vez mais vemos uma mudança para sistemas mais sustentáveis e menos dependentes de químicos, tanto na Austrália como a nível Internacional”.

Opinião partilhada por Allison Jordan – directora executiva da California Sustainable Winegrowing Alliance (CSWA) – que vê esta preocupação com a sustentabilidade já não como uma surpresa, mas como “o novo normal”.

E de facto, pelo menos na Califórnia, percebe-se porquê: quase um quarto das vinhas do estado californiano estão certificadas como sustentáveis. Neste particular, Sonoma destaca-se das restantes cidades da Califórnia, por pretender tornar-se na primeira região vinícola, dos Estados Unidos, 100% sustentável ainda durante este ano.

Nova Zelândia é outro país onde a sustentabilidade já é normal. Por lá quase todos os produtores de vinho têm um certificado de sustentabilidade – Sustainable Winegrowing NZ – que exige que os produtores cumpram com standards de biodiversidade, saúde do solo, uso de água, qualidade do ar, energia e uso de químicos.

E as técnicas para atingir estes standards são muito variadas: Bruce Taylor, o enólogo chefe da Tohu Wines, da região de Marlborough, no nordeste da Nova Zelândia, espalha conchas esmagadas de mexilhão o que lhe permitir reduzir o uso de herbicidas e planta arbustos típicos da região para incentivar ao regresso de aves nativas. Esta preocupação é natural para Taylor pois para este este não é um negócio a curto prazo:

“Como este é um negócio familiar dos Māori [população indígena da nova Zelândia] nós estamos aqui a longo prazo, o que significa que é importante para nós cuidarmos da nossa terra e água”.

Também no Chile a realidade é semelhante: segundo o professor Yerko Moreno, da Universidade de Talca, que criou o Código Nacional de Sustentabilidade para a indústria de vinhos do país, 75% dos produtores chilenos são certificados como sustentáveis. De acordo com o definido neste Código, os produtores têm que cumprir requisitos relacionados com a gestão das vinhas, o processo de produção de vinho e responsabilidade social.

Para Moreno “as pessoas são cruciais nesta mudança. Como consultor, eu incentivo os produtores a treinarem os seus funcionários adequadamente, para que eles abracem novas ideias e percebam por que é que a sustentabilidade é importante”.

Uma preocupação crescente com os ecossistemas

Os produtores vitícolas têm vindo a demonstrar uma preocupação crescente em adoptar abordagens holísticas, que têm em consideração todo o meio envolvente das suas vinhas, de forma a restabelecer o equilíbrio natural da terra, contribuindo para a biodiversidade e limitando as intervenções químicas.

Medidas como guardar áreas especiais para serem usadas como habitats naturais e criar corredores de fauna selvagem, semear ‘cultivos de cobertura’ para reduzir o uso de herbicida, usar coberturas vegetais orgânicas para diminuir o uso de fungicidas e introduzir plantas de ‘biocontrolo’ que atraem insectos predadores a comerem pragas de videiras, são algumas das mais comuns destas abordagens holísticas.

Portugal é exemplo no que à biodiversidade diz respeito. É o caso das Vinhas de Duorum, que tal como o nome indica se situam na região do Douro, que estão localizadas numa Zona de Protecção Especial, designada por uma directiva da União Europeia relativa à conservação de aves selvagens.

 

Assim, as vinhas do Duorum disponibilizam habitats para várias aves, incluindo por exemplo a espécie em vias de extinção do chasco-preto, antigamente apelidado por alguns de ‘Ave do vinho Porto’, por ser presença habitual na região. O projecto do Duorum tem mesmo um plano de conservação específico para esta ave e tem reduzido muito o uso de químicos:

 

“Ao conservarmos plantações naturais de oliveiras, amendoeiras e cereais entre as vinhas, criamos habitats para centenas de espécies de insectos, incluindo alguns predadores de pragas de videira”, explicou recentemente João Perry Vidal, um dos três produtores de vinho a liderar o projecto.

 

Também Carlos de Jesus Amorim, um dos responsáveis pela maior produtor mundial de rolhas de cortiça – a portuguesa Corticeira Amorim – realça o papel de conservação que a cortiça desempenha, apoiando os ecossistemas das florestas de cortiça em Portugal:

 

“Há poucos exemplos de produtos como este onde o equilíbrio entre pessoas, planeta e lucro é tão forte”.

 

Viticultura Colaborativa

 

A viticultura colaborativa não defende o fim do uso de químicos. Este método que assenta numa maior precisão permite reduzir o uso dos químicos mas nunca eliminá-los por completo. Porquê? Segundo explica o co-autor de “Authentic Wine: Toward Natural and Sustainable winemaking”, o doctor Jamie Good “é preciso pulverizar as uvas com produtos químicos seja qual for a abordagem utilizada, mesmo orgânica e biodinâmica”.

 

Assim uma viticultura de precisão ajuda a reduzir os fungicidas, enquanto a investigação de campo, o controlo biológico e a feromona limitam a necessidade de pesticidas. Por exemplo, alguns produtores franceses estão a testar diferentes variedades de uvas, como é o caso da Artaban, que são resistentes a míldio e oídio.

De acordo com Goode é preciso ter em consideração que “os sistemas com os quais lidamos nas vinhas são muito mais complexos do que muitas vezes pensamos. Se fizermos intervenções químicas, estas podem desencadear efeitos em cadeia imprevisíveis. Temos de ver as vinhas como agro-sistemas no seu todo.”

 

Brault concorda com esta visão: “Nós precisamos de uma mudança de paradigma. Em vez de estarmos constantemente a lutar contra os fenómenos da natureza, devemos focar-nos numa viticultura colaborativa rodeando a vinha de um ecossistema que a mantém saudável. Isso não significa que não usemos químicos de vez em quando, mas se a tua vinha for gerida de forma sustentável é bem possível que não o tenhas de o fazer durante um ano inteiro.”

 

Mas a verdade é que fazer a transição para métodos mais sustentáveis nem sempre é fácil. Não há soluções universais, que resolvam todos os problemas: por exemplo, o controlo biológico atrai insectos que são benéficos num local mas podem ser prejudiciais noutro, atraindo doenças e pragas. Já as vinhas situadas em regiões húmidas dependem mais de fungicidas do que as que situam em regiões secas.

 

Também não é a unanime a discussão sobre qual é o método mais barato, o convencional ou os ditos ‘sustentáveis’ como é o caso da viticultura colaborativa. Há quem defenda que os métodos sustentáveis tendem a exigir uma mão de obra mais intensiva a e a produzir menos do que a viticultura convencional, o que faz com que os preços sejam mais altos. No entanto, Paul Donaldson, da Pegasus Bay na Nova Zelândia discorda:

 

“Estamos rapidamente a caminhar para um período em que ser amigo do ambiente não é apenas uma boa prática, é também melhor financeiramente”. Uma posição que é também defendida por Brault: “É mais caro usar químicos e usar o solo de forma intensiva do que gerir culturas de cobertura”

 

Miguel Torres, que detém vinhas em Espanha, Chile e Califórnia reforça ainda que esta não é apenas uma questão financeira: “Se não tomarmos medidas imediatas, o mundo e a viticultura irão enfrentar problemas enormes, há medida que cada vez mais solos se tornam inférteis e a viticultura menos viável”.

 

Ao fim cabo, talvez esta preocupação com a sustentabilidade devesse ser senso comum, como acontecesse na Tribo Maiori que assenta na seguinte filosofia: “Para nós e para os nossos filhos depois de nós”. O que, como explica Good não acontece quando temos uma mentalidade monogeracional:

 

“Se as práticas das tuas vinhas não forem sustentáveis, serão os teus filhos a pagar a factura das mesmas – E isso não está certo”.

Carrinho cart 0