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Arqueologia na pista do lendário vinho do Negev
Alguns documentos históricos referem a bebida como um tesouro da antiguidade, o néctar mais dispendioso e reverenciado do mundo mediterrânico, do Egipto à Grécia, do Líbano às praias da Andaluzia e do Algarve... Os arqueólogos conheciam o Vinho do Negev - ou Vinho de Gaza, assim designado devido ao porto de onde era expedido para todo o império Bizantino – a partir de documentos da época, mas a sua composição e manufatura perdiam-se na bruma do tempo. Até à recente descoberta do inestimável vestígio biológico, em forma de sementes de videira, nas ruínas de Halutza, uma extinta cidade da chamada “rota do incenso”.
Segundo a imprensa hebraica, anteriores escavações no local tinham já posto a descoberto os terraços onde a vinha era cultivada, vasilhame diverso bem como restos das prováveis adegas. Mas nunca material biológico que permitisse recriar a origem varietal e, quem sabe, o próprio vinho. Até à atual escavação na área protegida de Haludza (parque nacional israelita), ao abrigo de uma investigação sobre a ascensão e queda Bizantina, na zona do Negev (Israel). Um estudo bio-arqueológico, dirigido pelos professores Guy Bar-Oz e Lior Weisbrod, da Universidade de Haifa, em colaboração com a Autoridade de Antiguidades Hebraicas.
Como quase tudo no Negev, também a outrora principal cidade Bizantina na região, não escapou à pilhagem dos ladrões de ruínas. Assim, em Haludza como noutros sítios de interesse arqueológico, a maioria dos achados fazem-se no entulho acumulado em redor das ruínas. Nessas pilhas acumuladas durante séculos, os investigadores encontraram uma elevada concentração de fragmentos de louça e vasilhame, incluindo um número significativo de ânforas de Gaza, o tipo de vasilhas usadas para armazenar o vinho do Negev.
Apareceu ainda um rol de vestígios biológicos, desde restos de peixe do Mar Vermelho a moluscos do Mediterrâneo, que atestam a prosperidade dos moradores Bizantinos. Com destaque para uma miríade de pequenas sementes carbonizadas. Não foi tarefa fácil a filtragem dos pequenos grãos no amontoado de entulho mas, com recurso a meticulosos métodos de escavação, depois de muito peneirar e lavar, o achado confirmou-se: eram sementes de videiras locais.
“Pela primeira vez temos uma evidência direta da vinha cultivada no Negev, em tempo tão remoto” exulta o professor Guy Bar-Oz. Como é óbvio, as plantas a partir das quais era produzido o famoso vinho, não sobreviveram e os cientistas desconhecem se as castas seriam importadas de outras regiões (como hoje…) ou eram variedades autóctones, entretanto desaparecidas.
O próximo passo será o recurso à biologia, para sequenciar o DNA das sementes e estabelecer a sua origem genética. “As variedades europeias requerem grande quantidade de água. Hoje, isso não é problema graças à tecnologia, mas seria muito menos provável 1500 anos atrás. Parece mais viável pensar em variedades locais, adaptadas às duras condições do deserto. Talvez o segredo desse vinho fosse precisamente o seu cultivo e produção num meio tão árido”, referem os arqueólogos.
Deixam assim em aberto a hipótese das sementes pertenceram a alguma casta autóctone, entretanto extinta, da região que é hoje Israel. “O nosso trabalho será agora tentar recriar o antigo vinho e talvez por essa via seja possível reproduzir o seu sabor e perceber porque era tão famoso”, declara o diretor da escavação, Guy Bar-Oz, da Universidade de Haifa.
As 4 cidades que os Nabateus fundaram no deserto, Haluza, Mamshit, Avdat e Shivta, espraiam-se no caminho de acesso ao Mediterrâneo, última etapa da rota do incenso e das especiarias. Essas metrópoles viviam do lucrativo comércio do incenso e mirra, provenientes do Sul da Arábia, rota que floresceu entre o séc. III A.C. e o segundo século da nossa era.