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As sombras de Parker
Logo após serem tornados públicos os detalhes da venda da Wine Advocate a investidores orientais, e consequentes mexidas editoriais na revista (com a mudança da sede para Singapura e a nomeação de uma editora chefe da confiança dos novos donos), estava lançado o debate sobre o epicentro da crítica de vinhos, à escala global. Não faltou quem prognosticasse desde logo a mudança do polo para títulos, digamos, mais próximos do grande público… e/ou do universo produtor.
Dúvidas em crescendo, nos bastidores da indústria. No plano imediato, e pensando já nas amostras dos vinhos de 2014, a generalidade dos especialistas inclina-se para uma descida dos preços. Com um argumento básico, o crítico que Parker nomeou para o substituir na tarefa, há dúzia e meia de anos que prova Bordéus e sempre deu notas mais baixas que o seu mentor. Neal Martin é conhecido por isso. Logo, a notas inferiores devem corresponder preços mais baixos.
Vale a pena lembrar, as amostras da última colheita serão já classificadas por Neal Martin, enquanto Parker se debruça sobre a recém engarrafada colheita de 2012 e termina uma retrospetiva sobre os inflacionados 2005. Goste-se ou não, o seu sistema de 100 pontos há mais de 30 anos que serve de bitola ao mercado, influenciando as cotações desde 1978, primeiro ano em que pontuou os vinhos dessa forma. Mais concretamente, desde 1982, quando o crítico de Maryland vaticinou um futuro brilhante para essa colheita.
Agora, sem Parker, os especialistas estão convencidos que a cotação dos vinhos ainda em barrica acabará por refletir uma eventual descida das notas publicadas na Wine Advocate. Isto, dando por adquirida a avareza de Martin na distribuição de pontos. A essa opinião, acrescentamos nós, não é alheio o facto da maioria dos ditos especialistas serem, quase todos eles, parte interessada no “negócio”.
Comerciantes ou importadores de renome, ouvidos pela imprensa enquanto especialistas, é natural que advoguem essa eventual descida de preços. Poderão não só comprar melhor como aliciar desde já os apreciadores. Alguns, especulam inclusive com a possibilidade das novas colheitas pontuadas por Martin terem mais tarde as suas notas revistas em alta por… Robert Parker. Não sendo de descurar a hipótese do preço subir de facto, dois anos depois, por enquanto esse raciocínio é pura especulação.
Na verdade, não nos parece que as alterações de bastidores provoquem grandes flutuações de preços, pelo menos no imediato. A prazo, a história é outra. Tal como a vida é feita de ciclos, também a Wine Advocate não será mais o que foi durante o consulado de Parker. Mudança gradual e até natural.
Senão vejamos, há muito que o guru da crítica deixou de ser a única voz autorizada, mas a mesma pontuação atribuída por qualquer outro crítico continua a ter muito menos peso. Mesmo tendo em conta nuances regionais. Por exemplo, Antonio Galloni (ex-Wine Advocate) é um peso pesado na avaliação de Barolos, tal como Allen Meadows será o crítico mais importante no que toca à Borgonha. Comercialmente falando, claro. Assim como James Suckling e o próprio Neal Martin são vozes respeitadas, que influenciam a procura, logo a cotação dos vinhos. Mas, e para responder à pergunta inicial, parece despropositado colocar sobre os ombros de qualquer um deles a responsabilidade de gerar de imediato expetativa e impacto idêntico às notações de Parker. Essa será sempre uma transição gradual, que o tempo tratará de matizar.
Tal como são deslocadas algumas teorias de conspiração, que buscam motivos obscuros nas mudanças a que assistimos. Claro que Robert Parker não será santo nem ingénuo, ninguém o é, mas nada mais natural que o cansaço de provar, todos os anos, cerca de 600 vinhos ainda em barrica. Falamos de néctares novos, explosivos, carregados de taninos. Sobretudo para alguém a caminho dos 70 anos de idade e que cumpre esse ritual, religiosamente, há três décadas! Acreditem que bastam meia dúzia de Primeurs consecutivos para perceber como é difícil manter a chama, a paixão e o interesse, que a crítica de vinhos implica.
Tal como bastam para perceber a prática e conhecimento que a frequência, a este nível, proporciona a profissionais como Neal Martin. Atendendo ao ritmo e exigência, costumamos dizer que os Primeurs equivalem a uma espécie de licenciatura, em matéria de prova. Isto para rebater a tentação da crítica fácil ao sucessor de Parker, na avaliação de vinhos novos. Quem cair nesse erro, mais do que desconhecer o personagem, não faz a mínima ideia do que é o universo bordalês e do que ali se aprende. Meio que Martin frequenta de forma assídua, há 18 anos!
De resto, sejamos práticos, a maioria dos compradores ignora ou simplesmente não quer saber dos arranjos internos na Wine Advocate. Estamos convencidos que a maioria dos que percorrem sites e prateleiras de vinhos, não distingue uma nota WA de outra RP… Ou não estão por dentro do assunto e julgam que é o próprio Parker que prova tudo, ou, mais simplesmente, não querem saber. Ou, menos provável ainda, confiam no palato dos restantes críticos da revista.
Porque, muito do que aqui refletimos, antes do mais, são preocupações da indústria. De gente que se preocupa e opina sobre o futuro do sector, crítica de vinhos incluída. Para o simples apreciador, importante são os rótulos que tem à sua frente e qual deles justifica o seu dinheiro. Só nessa medida lhe interessam as notações de cada vinho.
Aliás, como escrevia recentemente o Master of Wine britânico, Tim Atkin, “quanto mais usada e aceite a escala dos 100 pontos, mais tentadoras são as pontuações elevadas. Os críticos que dão as notas mais elevadas são aqueles que comerciantes e adegas tratam de citar. A forma mais rápida de fazer nome na praça é distribuir um punhado de classificações 98, 99 ou até 100 pontos; atualmente, 95 pontos é o novo 90 pontos!” A comprovar esta tese veja-se a profusão de notas máximas, por comparação com as que eram atribuídas anos atrás.
Em breve, analisaremos aqui a evolução nesse sentido, incluindo a surpreendente quantidade de vinhos “perfeitos”, com 100 pontos Parker… De momento e voltando à questão que nos interessa, caso as movimentações no seio da crítica, de alguma forma, não agradem ao mercado (e à indústria…), estamos em crer que o mercado (…e a indústria) tratará de as corrigir. À sua maneira, isto é, sempre de mão dada com o consumidor. Ou seja, aparentemente, fazendo sua a vontade deste. Quer promovendo a ascensão de novos nomes e títulos quer diluindo a influência da crítica vigente. O que, segundo alguns, já começou a acontecer…
Fonte: agência Bloomberg