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TGV ameaça Sauternes

por Filipe Silva em

A norte de Bordéus, a linha de alta velocidade proveniente de Tours, já está em construção. A próxima fase do LGV SEA (linha de alta velocidade Sul Europa Atlântico), que deve ligar Bordéus a Espanha e a Toulouse, num mega investimento de 11 biliões de euros, aguarda aprovação governamental. É essa linha que atravessa um dos históricos vinhedos bordaleses, na zona de Graves, e ameaça destruir o ecossistema que origina os nevoeiros que, a partir de Setembro, pairam sobre Barsac e Sauternes.  Ora, sem aquelas neblinas, não há podridão nobre e sem podridão nobre não há vinho doce de Sauternes!

Ameaça que leva os viticultores a colocarem desde já a hipótese de uma queixa no Tribunal Europeu de Justiça, caso o governo francês dê luz verde à construção da linha, que deve atravessar 1200 hectares de quintas e 3 mil hectares de floresta no sudoeste do hexágono. “Todo aquele dinheiro para ganhar meia hora na viagem até Toulouse e 1 minuto até Dax”, ironiza Berenice Lurton, proprietária do mítico Château Climens, em Barsac. “É absurdo!” Os produtores de Barsac e Sauternes alegam que o vale do Ciron está intimamente relacionado com as características dos seus terroirs e, portanto, protegido pelo próprio sistema Europeu de denominações de origem. “Um terroir é mais do que o solo e o subsolo, é um conceito muito mais lato de ambiente”, argumenta a senhora Lurton.

É fácil perceber porquê. O rio Ciron nasce nas Landes, a floresta húmida plantada por Napoleão para drenar uma vasta área de pântanos, criando assim o maior bosque de pinheiros de França. O rio atravessa a planura em direção ao Garonne, recolhendo no seu leito centenas de nascentes frescas. Sempre sob a sombra do arvoredo que mergulha nas suas águas. Mesmo no pico do Verão, é difícil imaginar local mais bucólico e fresco que o Ciron, no seu percurso até à aldeia de Bommes, próximo do Château La Tour Blanche, onde encontra o Garonne.

 À entrada do Outono, é a diferença de temperaturas entre esse rio fresco, cujas águas nunca ultrapassam os 14ºC, e o mais temperado Garonne, que proporciona as típicas neblinas matinais, berço da Botrytis Cinerea, vulgo, podridão nobre. Que, por sua vez, dá origem a alguns dos vinhos doces mais complexos e aromáticos do planeta! “Se as águas do Ciron aquecerem, adeus nevoeiro…” resume Xavier Planty, presidente da D.O. Barsac e Sauternes e proprietário do conhecido Château Guiraud.


Na verdade, olhando para o mapa, é difícil imaginar um traçado com maior impacto ambiental. A mencionada linha LGV SEA, ou TGV do Sudoeste, deixa Bordéus em direção a Toulouse, atravessando a região de Graves. Aí, nos 5 primeiros quilómetros, atropela desde logo um histórico vinhedo (incluindo 2 Châteaux de Péssac-Léognan e 7 na região de Graves).

Pior, depois de Graves e antes de Barsac, a linha dirige-se para sul, para o vale do Ciron, onde se divide: um ramal segue através das Landes, rumo a Dax e à fronteira espanhola; outro faz ligação a Toulouse. No total, uma centena de quilómetros no vale do Ciron, cortando 84 afluentes, 30 riachos e atravessando o próprio rio Ciron 3 vezes. Com a necessária construção de viadutos, diques e represas e destruição de floresta para dar lugar à obra. “É monstruoso, não podia ser mais destrutivo” resumem as associações de ecologistas, prontas a apoiar os viticultores contra a passagem do TGV. Em nome dos brancos doces de Sauternes!

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